Aprender Design

26 de out de 2023

Sobre estratégia e inovação para designers

Luiz Abreu

Innovation Manager na Moleskine.

Já faz um tempo desde que iniciei as reuniões de kick-off (mais de uma década) e, se você já teve essa experiência, ela normalmente acontece da seguinte maneira: o time de design/consultoria chega à reunião, tem uma apresentação sobre os feitos de tal time/estúdio (prêmios e publicações são enfatizados), depois a outra parte apresenta, dessa vez falando sobre o negócio, os números em geral da empresa (quantos funcionários e faturamento do ano anterior, por exemplo), e depois começam a explicar o problema que a empresa gostaria que o time de design resolva - algo genérico normalmente, mas que na mente deles é a chave para ter sucesso naquele mercado. O time de design analisa o problema, e, como esperado, volta em uma segunda reunião com 50.000 (figurativamente falando) esboços e ideias, lindos, e os apresenta por um preço camarada (muitas vezes o time de design mal consegue cobrir as próprias despesas). Parece algo familiar? Até mesmo se o time de design é interno, e não uma consultoria externa, as coisas podem acontecer assim.

A não ser que você faça parte de uma consultoria como IDEO, frog, ou fuseporject, você muito provavelmente encontrará cenários parecidos. A verdade é que o mercado dos “criativos” foi levado nessa direção, muitas vezes por falta de embasamento em negociar o valor do trabalho por trás. Como designers, nós (em geral) acreditamos que somos e devemos ser meramente criaturas criativas, e que a parte de negócios/estratégica deveria ser deixada para aqueles que pensam com o "lado esquerdo do cérebro". O problema é que esse comportamento criou um status quo que se torna muito difícil de mudar. Não importa quantos prêmios você venha a vencer, o outro lado sempre vai diminuir o trabalho por trás do ‘output’ que está vendo na sua frente se a gente continuar cedendo à boa e velha mentalidade do "me faz uma última alteração".

David C. Baker, consultor e autor americano de "The Business of Expertise", aborda o tema de forma muito racional e ampla, no livro e em seu trabalho, ajudando empreendedores a encontrar um posicionamento claro e a escalar seus negócios de maneira sustentável. David é do princípio que, para se ter sucesso em uma área de forma que seja sustentável para o negócio, é melhor ser reconhecido como um expert do que como um generalista. Ainda persiste o estigma de que quanto mais serviços você oferece, mais pessoas virão até você, porém, em contrapartida, o markup que você consegue colocar no seu serviço perde o poder na pulverização da sua oferta.

Um aspecto do livro que é muito interessante é justamente a abordagem da primeira reunião, aquela citada anteriormente, especialmente quando o assunto é uma consultoria que oferece serviços a uma empresa, em que se chega à empresa com a mentalidade de oferecer uma montanha de conteúdo do qual o cliente pode escolher. É uma mentalidade muito parecida com quando vamos a uma sorveteria e encontramos na frente um monte de sabores diferentes. Muitas empresas e departamentos de design funcionam dessa maneira e normalmente são os mesmos que se lamentam, ou que o valor agregado ao trabalho quase nunca é percebido, ou que não conseguem aumentar o valor pelos serviços que prestam. O trabalho que estão oferecendo é, por falta de melhores palavras, sem foco e sem propósito.

Em "Business Expertise", Baker defende um importante aspecto a ser considerado já na reunião de kick-off: devemos oferecer a estratégia e não a execução. Se oferecemos o produto final, frustração se apresentará dos dois lados, porque um estará "vomitando" ideias sem fim (sem ter o feedback definitivo visto que o outro lado não tem as ferramentas para decidir), enquanto o outro não perceberá jamais que poderia estar enganado com relação ao brief inicial (que é outra parte normalmente ignorada da reunião de kick-off…).

O livro conta da seguinte maneira: imagine que seu negócio é uma casa com dois cômodos, um que representa a estratégia e outro que representa a entrega/produto final. O cliente, no status quo atual, abre a porta e enxerga somente a "sala da execução" - normalmente nem sabendo que existe a "sala da estratégia" - porque é aquilo que veem no site ou aquilo que percebem ser entregue pelo departamento. E quando o cliente decide de entrar e enxerga uma porta somente para aquele cômodo, é quase impossível faze-l@ atravessar a outra porta para o lado da estratégia.

O negócio especializado, por outro lado, tem somente uma porta aberta ao público, aquela da "sala da estratégia". A verdade é que nós, como designers, conseguimos criar um impacto positivo (ou realmente trazer valor) e ao mesmo tempo sermos felizes com o que entregamos, se trouxermos soluções às dores reais que nosso cliente trás. Quando vamos ao médico, antes de prescrever qualquer terapia de cura ou cirurgia, um mundo de exames é pedido, de modo que o doutor consiga entender onde está o verdadeiro problema da dor que estamos sentindo. Somente enxergando o quadro inteiro um diagnóstico pode ser feito e uma solução pode ser receitada. O processo do médico tem propósito, intenção, no enfrentar o verdadeiro problema. Devemos buscar o mesmo. Por isso, o cliente tem que estar ciente que quando chegar a nós, nossa oferta começa em outro cômodo.

A execução, aquilo que normalmente todos veem, tem que ser o resultado do trabalho de estratégia, não o ponto focal. O objetivo nosso, de modo que possamos agregar valor ao cliente, mas também ao trabalho que fazemos, deve ser o de guiar e orientar nossa audiência do poder que a execução por si só não terá o mesmo impacto sem o propósito identificado durante a estratégia. Somente dessa forma conseguimos ter uma oferta especializada; só assim somos capazes de evitar a típica discussão do "eu quero isso porque eu gosto mais" e a transformamos em "esse faz mais sentido para minha empresa por esse e aquele motivo", saindo do fluxo da sorveteria.

O processo de análise do que está acontecendo no mundo para se tornar/manter relevante no futuro requer uma visão estratégica, além da execução, abordando dois temas vitais para o future-proof design.