Aprender Design

23 fev 2023

3 oportunidades para experimentar a gestão de times como trabalho criativo

Letícia Pires

Diretora de Design de Produto no Quinto Andar

A gestão de um time de design é um trabalho como tantos outros. A melhor forma de um gestor é quando ele entende a importância de também ser um líder. Parece não haver mais dúvida sobre isso.

Entretanto, percebo que nós [designers] falamos de liderança com entusiasmo, enquanto o papo é sobre gestão vira um tatear o elefante branco na sala. Um incômodo toma conta.

E se a gente desse mais chance para a gestão? De corações abertos e mentes atentas para soluções dignas de todo projeto de design bem-sucedido.

É urgente discutirmos mais sobre a gestão de times pelo número de oportunidades no mercado. Número este que só cresce. Nas empresas onde o design é uma disciplina fundamental, as equipes escalam em tempo e números impressionantes, pedindo organogramas mais sofisticados com gestores distribuídos em pequenos grupos e diferentes missões.

Nas empresas que se aproximam do design e do digital, montar um time é muitas vezes o desafio do primeiro designer contratado. Este sujeito entra como o designer mais experiente para construir tudo e uma alta expectativa de não só ser a liderança da disciplina mas também gestor dos designers no dia a dia.

Já me perguntaram, infinitas vezes, sobre gestão ser o único caminho do crescimento em tom de lamentação nas minhas defesas pelo tal fim da acidentalidade na liderança de design em palestras, conversas e cursos. Prefiro olhar para essa questão com flexibilidade e curiosidade, afastando de vez o modelo de tradeoff.

Quando a oportunidade veio, decidi experimentar a vida de coordenadora. Entre pressionar meu cérebro pra saber se eu deveria ser gestora ou uma Colaborador Individual (CI), priorizei aprender e investigar como era estar naquele posto.

Talvez eu pertença a uma geração de profissionais de design onde a dúvida não era sobre escolher dois caminhos: gestão ou liderança sendo CI — contribuinte individual, não coordena times — mas sobre estagnação.

Se não seguisse pela trilha de gestão, você parava de evoluir em desafios, cargos e remuneração.

Isso tem mudado.

As empresas de tecnologia estão trazendo outras alternativas, muito inspiradas em engenheiros de software. Elas não querem perder a contribuição de nenhum profissional competente e há uma corrida para desenhar outras muitas possibilidades. Já é uma realidade estar em camadas bem altas e muito estratégicas como um profissional super sênior sem a responsabilidade da gestão de times. Todo esse movimento é ótimo para mais pluralidade, mais crescimento e mais oportunidades.

Entretanto, essas novas alternativas para carreira dos designers não deveriam pressionar designers tão jovens a escolher um caminho ou outro. Se estamos falando de desdobramentos, por que não considerar a jornada de carreira como uma grande colcha de retalhos em que tudo que se faz é adição? Sob essa ótica, a gestão pode ser uma temporada de muito aprendizado e quem sabe até de um encanto recompensador.

Aqui quero te convidar para olhar para três responsabilidades de gestão de pessoas de maneira criativa, pela lente do designer que identifica problemas e não se conforma com as soluções existentes.

Pasme na gestão também tem problema que você deve resolver na abordagem de design, centralizando a solução nas pessoas.

Gestão está longe de ser uma pilha de tarefas burocráticas somente!

Levar isso a fundo pode trazer cor à rotina que submergiu ao entrar e sair de reuniões, 1:1s e aprovação de orçamento.

1. Suporte ao desenvolvimento de carreira do liderado

É responsabilidade do gestor ser um facilitador da jornada de desenvolvimento profissional dos seus liderados.

Somos capazes de montar frames de pesquisa qualitativa super elaborados para interagir com clientes. Ali, descobrimos comportamentos, como são e foram as relações de uma pessoa com o produto que oferecemos, qual seu histórico com o assunto e assim, navegamos em muitas profundidades desde dos hábitos a percepções dos nossos clientes.

Dá para fazer o mesmo com designers que são nossos liderados. A conversa sobre carreira muitas vezes parece dura: algo que precisa ser baseado no documento de cargos do RH ou um percorrer massante e infinita checklist de tarefas. E se não fosse assim?

Certa vez, criei um frame de superpoderes e super-heróis para conversar sobre como o designer se enxergava no time e também quais eram as interpretações da equipe e do líder. Foi um jeito muito louco mas também lúdico onde as conversas foram mais leves e em que juntos, traçamos passos de desenvolvimento de carreira que casavam com contextos de projeto e também com sua contribuição no chapter de design para aquele trimestre.

Nos bastidores desse frame, confesso: tive que pedir ajuda ao meu namorado — hoje, marido — que manjava real sobre os arquétipos dos Avengers. Para quem parou na 'Sala de Justiça' foi um tanto divertido!

Um esclarecimento

A responsabilidade do gestor é ser um facilitador desta jornada de desenvolvimento profissional. Todo profissional é o verdadeiro dono da sua.

Cabe ao gestor observar oportunidades, dar suporte nas etapas e tentar extrair o melhor resultado dos interesses e competências do designer e da empresa.

Dá para se esmerar em engajar seus liderados em conversas de carreira de maneira tranquila com frames que são conversation starters e trazem eficiência sem perder a ternura a leveza.

2. Tradução de processos de gestão para designers

Os processos de gestão de designers precisam ganhar forma, cara, cheiro de coisa para designer.

Simplesmente não entendo gestores de design que apenas aplicam as diretrizes e modelos genéricos de RH. Se você é um designer-gestor de designers, isso é uma oportunidade única de construir, com o RH, suportes e processos que atendam de fato o que brilha aos olhos dos designers, o que pode ajudar no seu universo particular, crenças e idiossincrasias.

No QuintoAndar, fazemos desde do início do time de design, um exemplo disso é o processo de recrutamento, todo ele planejado, organizado e executado por designers. Colaboradores do time de People, nosso RH de outro jeitinho, é um parceiro importante, mas não o dono. Entendemos que as conversas do processo seletivo deveriam ser sobre design e quem domina este assunto é o time. Com essa decisão tomada, já desenhamos e redesenhamos o processo infinitas vezes para que a conversa permaneça sobre design e o time.

Este é um pequeno exemplo de processo de gestão que precisa ganhar forma, cara, cheiro de coisa para designer.

Outra vez, compartilhei em um texto sobre a montagem de biblioteca compartilhada que promovi como presente e construção de senso de time. Essa iniciativa fazia sentido e era considerada presente por designers, para colaboradores de outras disciplinas, talvez significasse uma grande besteira. Pode parecer pouco, mas por vezes, ter um potinho de canetas sharpies na mesa vai fazer a diferença. Planilhas e apresentações bem diagramadas também!

3. A narrativa da missão para seu time

Todo designer do seu time precisa saber que ele está ali para uma determinada entrega para o cliente.

Contar histórias é uma habilidade de grande valor para designers. Podemos colocar todas as jornadas de usuários e clientes em boas narrativas para convencer qualquer empresário da necessidade real de ter um time de designers. Entendemos essa necessidade como fundamental uma vez que queremos sentar na mesa do negócio. Entretanto, por vezes, não temos uma narrativa consolidada para o próprio time, cada designer corre sozinho em suas demandas e nenhum deles sabem ao certo o que fazem realmente por ali.

Fazer design é para o que nos contratam: entregar soluções bem projetadas, aplicar metodologias bem estruturadas que trazem rigor e consequente qualidade, trazer outras lentes para o grupo e construir cultura. Mas no final do dia o que mais importa é o impacto na vida de quem usa nossos serviços e interfaces*. E se a empresa quer refrescar o dia de alguém vendendo sorvetes, todos os designers precisam saber que sua missão é garantir que seu cliente relembre da alegria de criança ao abrir aquela embalagem geladinha.

Entendem-se interfaces por qualquer ponto de contato que serve de suporte para interação com o serviço.

Concluindo

A lista de responsabilidade de um gestor é infinita. Quis apenas ilustrar o potencial criativo que este papel tem. Podemos ver estas cadeiras apenas como uma pilha de afazeres “burocras”, o que para mim, é um desperdício.

Meus 2 centavos sobre ser gestor ou CI (liderança técnica)

Talvez essa pressão sobre decidir, sem poder errar, sobre ser gestor ou CI esteja consumindo nossas energias de uma maneira injusta em tempos já tão desgastantes como o que vivemos e com a alta ansiedade da qual não conseguimos fugir.

Por longa lista de porquês e nela a certeza de que design ainda tem uma longa caminhada para a sedimentação de cargos e papéis na corporação, acredito que podemos escolher em uma direção e depois simplesmente mudar de ideia.

Agora, não parece haver escolha errada. Somente aprendizado e a formação de profissionais com trajetórias e experiências mais ricas.

Seguimos.